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Epitáfio

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Acima, Michael Jackson em representação do artista Jeff Koons / foto: Divulgação

Nenhuma polêmica manchará o impacto histórico de sua música”, disse hoje o reverendo Al Sharpton, líder da comunidade negra dos EUA e maior ativista das causas raciais no mundo. Ainda assim, há um exército sensacionalista na imprensa proliferando mais a suposta-aversão do Rei do Pop à própria etnia (entre outras bizarrices, sejam elas legítimas ou não) do que o seu legado (este sim, absolutamente autêntico).

Quem me conhece (um pouquinho de nada, que seja) sabe que, por predileção, as minhas naus sonoras navegam quase que exclusivamente pelo grande rio da música negra, em seus mais diversos afluentes: da sua gênese, no blues, no jazz, no gospel e no soul, à massificação sintetizada do pop e do r&b (sem nenhum acanhamento de confessar). Minha matriz cultural é a Motown e tudo o que saiu de lá, de alguma forma, contribuiu para a minha formação – como gente, como jornalista ou como o músico que sonhei ser um dia. Michael Jackson, o filho pródigo da lendária gravadora black, era um dos meus heróis – assim como o foi para boa parte dos adolescentes que cresceram nos anos 80-90 e acompanharam, através dele, o surto camaleônico da cultura pop, o nascimento da MTV, a evolução do videoclip, o play da era digital, o tsunami da globalização e o embrião da internet.

Quando nasci, Michael Jackson já era um astro cultuado pelo mundo – incluindo as minhas tias, então adolescentes. Lembro quando o clipe de “Thriller” foi exibido pelo Fantástico, e do impacto que aquilo causou nas pessoas. Eu sequer sabia ler, mas o grafismo das letras, escorrendo em sangue, ficou tatuado na minha memória.

Quase trinta anos depois, o mundo ainda repercute o mérito do álbum homônimo como o melhor – e mais vendido – da história. A bolacha, impecável do começo ao fim, soa moderna até hoje, na versão iPod – e, por mais que alguém torça o nariz, não há argumentos contra os números. Mas as gravações que Mister Moonwalker fez entre a infância e a adolescência, à frente dos Jacksons Five ou nas primeiras incursões solo, cantando clássicos como “I Want you Back”, “Ben” ou “Music and Me”, estão entre os registros mais catárticos do seu talento – a voz daquela criança, com uma afinação e candura sem fim, é uma das coisas mais belas que já ouvi.

Numa representação feita por artista anônimo, Michael Jackson empresta seus ícones visuais para celebridades que, acreditem, ficaram muito aquém dele no quesito fama / imagem: Reprodução

Em 93, a turnê Dangerous esteve no Brasil e a Lilian, minha tia predileta, me levou ao show. Uma experiência e tanto, mesmo considerando os momentos de playback e os longos intervalos entre um número e outro. Eram outros tempos para o divo, que depois do marco de “Thriller” (jamais superado por nenhum outro artista, incluindo o próprio), recebera uma fatura alta demais: viveu loopings pessoais, escancarou seus medos privados em lugares públicos, chocou a opinião e bateu records menos honrosos, como o de celebridade mais estampada nos tablóides e revistas B – mesmo quando absolvido das acusações de pedofilia e de ter comprovado a vitiligo como causa do seu “embranquecimento”.

Paralelamente aos escândalos (voluntários ou não), Michael colecionou arte e antiguidades, girafas, elefantes, rinocerontes e traquitanas de gente morta (incluindo a ossada do “homem-paquiderme”). O link com o blog poderia ser justificado por isso: Michael amava decoração e consumia-a compulsivamente. Quem assistiu ao documentário mambembe (e devastador) do jornalista inglês Martin Bashir, há uns quatro anos, deve lembrar do cantor deixando milhões de euros num antiquário em Londres (sem falar no leilão de seus móveis e objetos).

Acima, alguns objetos decorativos de Michael que foram leiloados no começo de 2009 / foto: Reprodução

Mas o link é outro. Longe da Terra do Nunca, Michael Jackson, a lenda, é fundamental para a cultura pop, incluindo no tocante ao universo plástico. Enquanto abriu a senda para todos os artistas (brancos ou negros) que vieram depois dele, sua imagem virou mote de apropriação para pintores e escultores como Jeff Koons, inspirou estilistas, designers, cenografias, produções cinematográficas. Há quem vá ainda mais longe, afirmando que, se os Estados Unidos da América hoje têm um presidente negro, isso se deve também, à vereda que Jackson ajudou a pavimentar. Exagero ou não, o mundo hoje está com um nó na garganta. André e eu, que sempre curtimos o cara – e chegamos a cogitar um périplo londrino para assistir de camarote a sua volta triunfal -, estamos sentindo um vácuo sem fim (se você está lendo isso, provavelmente, também se importa). O Rei do Pop foi caminhar na lua, como Peter Pan.

No ar, uma prece: que os anjos digam amém à profecia do reverendo Al Sharpton. Abaixo, o vídeo de “Music and Me“, numa das performances vocais mais emocionantes de todos os tempos:

Written by AllexInCasa

junho 26, 2009 às 6:13 pm

Publicado em Artes, Décor, Design

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11 Respostas

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  1. belissimo texto
    michael forever

    Marcos Alberto

    junho 26, 2009 at 6:21 pm

  2. Meu querido Allex, obrigada por expressar com tamanha sensibilidade o sentimento que hoje estamos todos a provar….nosso querido Peter Pan brilha mais do que nunca…sempre

    Anônimo

    junho 27, 2009 at 7:34 am

  3. Meu querido Allex, obrigada por expressar com tamanha sensibilidade o sentimento que provamos hoje, todas as gerações confundidas.
    Peter Pan brilha agora mais que nunca….e vai brilhar sempre !

    Anônimo

    junho 27, 2009 at 7:40 am

  4. Obrigada Allex, por saber traduzir com tamanha sensibilidade o que hoje sentimos todos. MJ nos acompanhou, embalou nossas vidas e agora brilha mais que nunca

    Anônimo

    junho 27, 2009 at 7:52 am

  5. Alex, sinto o mesmo que vc! Ah, e a revista veja? È simplesmente asqueroza!!!!!Deveriam ser processados pelos familiares dele.

    Maria Cecília

    junho 30, 2009 at 7:34 pm

  6. poesia linda

    Tereza Cristina

    julho 1, 2009 at 7:39 pm

  7. supremo! meu ídolo

    Ana Paula

    julho 1, 2009 at 7:40 pm

  8. Muito bem colocado.

    Victor

    julho 1, 2009 at 7:45 pm

  9. “adoooooro” ficou pequeno pra mensurar o que achei desse post

    tamara

    julho 2, 2009 at 4:19 pm

  10. Lindo texto. Muito lindo. Tocante.

    Bruna Magalli

    julho 5, 2009 at 9:11 pm

  11. Ninguem descreveu sua trajetoria com mais propriedade como voce, Alex. Parabens!

    erico

    junho 25, 2010 at 12:58 am


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